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O ex-cientista da Harvard que levava casos de abdução a sério

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O seguinte artigo foi escrito por Alexa Clay, enteada do Dr. John E. Mack, e ilustra perfeitamente como são tratados os cientistas que investigam aquilo que, por incrível que pareça, nos dias de hoje ainda é considerado tabu nas instituições de ensino:

O saudoso psiquiatra que levava a sério casos de abdução, John E. Mack.

Meu irmão mais novo e eu o chamávamos de ‘o velho lagarto’ (devido à sua aparência reptiliana – e para provocar nossa mãe, sua parceira naquela época).  Para seus inimigos, ele era um louco, uma fraude e um enganador.  E para seus pacientes, e muitos dos seus amigos, ele era uma fonte de apoio, um ouvinte aberto, um sábio e protetor.

Dr. John E. Mack foi muitas coisas para muitas pessoas.  Um psiquiatra treinado da Harvard, professor titular, e um dos fundadores do Departamento de Psiquiatria do Hospital de Cambridge (um hospital escola afiliado à Universidade de Harvard), John obteve um comando impressionante e era respeitado em seu campo.  Após uma carreira inicial trabalhando com assuntos sobre o desenvolvimento da criança e a formação da identidade, ele ganhou o Prêmio Pulitzer, em 1977, por sua biografia psicanalítica de Lawrence da Arábia, intitulada ‘A Prince of Our Disorder’ – 1976, (‘Um Príncipe de Nossa Desordem‘ -trad. livre n3m3).  Então, no final da década de 1980, John colocou sua reputação em jogo quando começou a investigar o fenômeno das abduções alienígenas.

Tudo começou de forma inocente.  Ele começou a fazer sessões com pacientes que acreditavam ter sido abduzidos.  Ele fazia regressões por hipnose e gradualmente forneceu evidências suficientes para um livro. ‘Abduction: Human Encounters with Aliens’ -1994 (‘Abdução: Encontros de Humanos com Alienígenas’ – trad. livre n3m3).  Esta obra foi seguida em 1999 por ‘Passport to the Cosmos: Human Transformation and Alien Encounters‘ (‘Passaporte para o Cosmos: Transformação Humana e Encontros com Alienígenas‘ -trad. livre n3m3).  Sua linha padrão para com o mundo externo era (como dito para a BBC): “Eu nunca diria, sim, alienígenas estão falando com as pessoas.  [Mas] Eu diria que há um fenômeno convincentemente poderoso que eu não posso explicar de qualquer outra forma, que é misterioso…  Eu não sei o que isto é, mas para mim parece que requer perguntas mais aprofundadas“.

Na privacidade de nossa casa, onde eles eram uma presença costumeira, John era mais intenso com suas alegações.  Alienígenas são reais – o caso é que a sua existência ameaça a lógica dominante de nossa visão do mundo.  John atribuía à falha da sociedade em explicar a experiência de abdução como uma deficiência cultural.  As abduções alienígenas não eram desarranjadas ou mentalmente insanas – somente não tínhamos uma forma de interpretar e compreender pelo o que eles [abduzidos] passaram.  Ao invés de rotular as experiências dessas pessoas como uma nova desordem ou síndrome, John argumentava que tínhamos que investigar e mudar a nossa percepção da realidade para explicarmos o fenômeno.

Por mais de uma década, desde o tempo que eu tinha oito anos até eu me tornar maior de idade, presenciei estes debates e a política que cercava a vinda à tona de John em apoio ao fenômeno das abduções.  Minha mãe, uma antropóloga, foi a assistente primária de John em suas pesquisas.  Eles compraram uma casa juntos em Cambridge, Massachusetts e meu irmão e eu visitávamos eles uma vez por mês, e durante as férias escolares.  O resto do tempo vivíamos com meu pai e minha madrasta em Arlington, Viginia (EUA).

Como muitos de seus colegas, eu via John com uma mistura de ceticismo e intriga.  Parte do meu ceticismo pode ser explicado pelo fato de que ele estava namorando a minha mãe; mas um boa fração disso era devido ao fato do meu senso de realidade estar sendo virado de cabeça para baixo pelas postulações de ‘greys‘ – um manifestação em particular dos extraterrestres, conhecidos pelas grandes cabeças, olhos amendoados enormes e corpos de estatura baixa, praticamente sem características.

Quando eu tinha oito anos, e ainda aprendendo a distinguir entre a fantasia e a realidade, a imposição dos adultos que acreditavam em alienígenas era confusa e provocava ansiedade, mas provocava também um senso de aventura e suspense.  Eu tinha certeza de que o Papai Noel não era real.  Mas eu não teria apostado minha vida nisso.  Meus bichos de pelúcia e brinquedos tinham somente perdido aquela qualidade animista – se tornando meras coisas para brincar, instrumentos da imaginação, o que é oposto às criaturas reais com suas próprias essências.  Quanto aos alienígenas, eu não podia ter certeza.  Ao pegar voos entre as casas de meus pais, algumas vezes eu ficava alerta para ver se avistava algum globo metálico.

Foi em 1992, quando John entrou em nossas vidas.  Bill Clinton era presidente e Kurt Cobain dominava as ondas de rádio.  Era o fim da Guerra Fria e o cientista político Francis Fukuyama tinha recém publicado seu livro ‘The End of History and the Last Man’ (O Fim da História e o Último Homem’ -trad. livre n3m3), onde ele, esperançoso, previa que a evolução humana tinha chegado ao fim com o triunfo da democracia liberal ocidental.  Tudo era uma navegação tranquila.  Não tínhamos mais a ameaça do comunismo, mas ainda não tínhamos a ameaça dos terroristas.  Eu preciso de um inimigo simbólico; alienígenas personificaram um importante ‘outro’ – um alerta distopiano para o entusiasmado triunfalismo da nossa cultura ocidental,

Na televisão, o paranormal logo apareceu com programas como Roswell e Arquivos-X, que exploraram o fenômeno alienígena na sombra do acobertamento governamental e conspirações.  Mude de canal e você poderia encontrar a série de 26 episódios, também de outro mundo, Universo Misterioso, de Arthur C. Clarke.  Não é de se espantar que a década de 1990 viu um aumento em aparições de alienígenas na imaginação da população.  O milênio iminente trouxe consigo a chegada de um futuro que tinha sempre estado distante.  Como a cientista política Jodi Dean, autora de ‘Aliens in America’ – 1998, articulou na época, “a aparição de alienígenas corresponde às nossa ansiedades sobre o desenvolvimento tecnológico e nossa crescente consciência de nós mesmos como um planeta e nossos temores para o futuro naquele milênio.

Há alguma verdade aqui.  Quando perguntei à minha mãe e ao John o que os alienígenas pretendiam (subtexto: ‘Eles vêm em paz, ou devo ficar realmente receosa?’), eles disseram que muitos dos abduzidos sentiam que os alienígenas comunicavam uma mensagem ambiental sobre a urgência de salvarmos o planeta.

Na época, muitos dos abduzidos que John entrevistava atestaram à superioridade tecnológica da raça alienígena.  Ele me contava histórias sobre pacientes abduzidos que diziam que os alienígenas podiam passar pelas paredes, eram capazes de comunicar através da percepção extra sensorial (PES) e ler as mentes, e desempenhar experimentos médicos em humanos sem cirurgia invasiva.  Com base nisso, os alienígenas forneciam uma válvula de escape para todos os nossos medos de dominação tecnológica.  Ter uma experiência com alienígenas era perceber que a raça humana não representa o ápice da evolução; que talvez somos inferiores à vida extraterrestre.

Durante o dia, eu era cética (o boa pequena racionalista), mas a noite trazia consigo uma maré de pensamento mágico.”

Mas, para uma garota amplamente ignorante das forças sociológicas maiores, os alienígenas eram somente uma coisa: assustadores.  Eles tinham grandes olhos negros e formas andrógenas.  E eles eram reais – como fantasmas e bruxas e monstros.  Durante o dia, eu era cética (o boa pequena racionalista), mas a noite trazia consigo uma maré de pensamento mágico.  Eu costumava deitar na cama e me preocupar que talvez seria abduzida.  Eu até prometia um melhor comportamento, na esperança de negociar com esses forasteiros – ‘Eu serei boa, só me deixem em paz‘.  No meu lar secular progressivo, os alienígenas ofereciam uma autoridade disciplinar moral, um espectador invisível para policiar minhas ações.

Após muitos anos se passarem sem qualquer sinal de visitação extraterrestre, eu comecei a me sentir ignorada.  Meus temores se tornaram panelas de depressão: “Eu não era especial?” “Eu não deveria ser escolhida como embaixadora para a raça humana?” Ou até mesmo: “Se os alienígenas quisessem realmente criar uma raça mestre (como eu havia escutado), eles não gostariam de obter meu DNA?”

John tinha muitas das mesmas lamentações.  Eles não eram os machucados do ego de uma criança perseguindo algum chamado embaixadorial, mas estavam na mesma categoria.  Ele se sentiu deixado para trás.  Ele queria um encontro.  Ele era a face pública deste movimento e, todavia, somente tinha experiências secundárias do fenômeno da abdução.  Tendo despendido mais de 15 anos escutando os encontros de outras pessoas com estes seres míticos, ele queria alguma evidência além dos testemunhos que havia agregado de seus pacientes.  Ele queria ser visitado. Todos nós queríamos.

Tão importante quanto, uma visitação teria respondido o crescente coro de críticas acumulados no lado ‘respeitoso’ do trabalho da vida de John.  Muitos de seus colegas pensaram que ele havia ficado louco.  Ele, por sua vez, sentiu-se traído por aqueles acadêmicos colaboradores que falharam em apoiar seu trabalho.  As maiores críticas de John questionavam seu uso de hipnose.  Mantendo a teoria da ‘repressão’ de Freud – a qual dita que a mente pode banir memórias traumáticas, a fim de nos defender da ansiedade – muito do trabalho de pesquisa de John invocava a ideia da recuperação de memória, onde, através da hipnose, você poderia ‘enviar’ o paciente de volta para os traumas reprimidos e assim lembrar suas experiências de abdução.

Eu lembro uma noite de verão, numa casa de praia no Vinhedo de Marta, quando eu tinha aproximadamente 11 anos, todos nós assistíamos a John regredindo minha tia de volta para uma vida passada.  Ela deitou no sofá relembrando um incidente no qual ela era um guarda florestal que testemunhou a morte de algumas pessoas durante um tipo de avalanche.  Minha tia mais tarde me contou que ela estava completamente consciente da experiência, mas não podia controlar o que estava dizendo.  Era como se estivesse assistindo a ela mesmo contando a história.  John mais tarde tentou hipnotizar meu irmão, para que ele não tivesse medo de aranhas.

No final das contas, a questão que atormentava os escavadores de memórias como John era se estas memórias reprimidas, divulgadas sob hipnose, eram meros ‘fatos’ da mente, ou então lembranças legitimamente verdadeiras.  A tendência de John a respeito de uma interpretação mais literal das experiências de seus pacientes com alienígenas era controversa.

“John descreveu a investigação como ‘Kafkaesque’ (absurda). Ele nunca soube completamente o status dela ou a natureza das reclamações do comitê.”

Em 1994, o reitor da Escola de Medicina de Harvard chamou um comitê de colegas para investigar a escolaridade de John.  Esta foi a primeira vez que um professor titular foi submetido à uma investigação.  Ela era, efetivamente, uma inquisição que alguns a compararam à uma ‘caça às bruxas’, e isto deixou John se sentindo perseguido e incompreendido.  John descreveu a investigação como ‘Kafkaesque’ (absurda). Ele nunca soube completamente o status dela ou a natureza das reclamações do comitê. Incapazes de acusar John de quaisquer violações éticas ou falta de conduta profissional, sua meta foi a de perguntar, como o professor de direto Alan Dershowitz coloca, “se um professor da Escola de Medicina de Harvard deveria estar colocando sua credibilidade em histórias de abduções de alienígenas do espaço“.  Para Dershowitz, esta era uma meta duvidosa. “Nenhuma grande universidade deveria estar investigando as ideias de seu corpo docente“, ele escreveu na revista da universidade, em 1995.  No final, o reitor reafirmou a liberdade acadêmica de John de estudar o que ele desejasse e de declarar a sua opinião sem impedimento.  Mas o dano já havia sido feito.

À medida que sua credibilidade profissional enfraquecia, a ansiedade e a ira de John começaram a aumentar.  John se preocupava sobre sua reputação.  Não foi fácil se tornar persona non grata exatamente nas instituições que ele ajudou a construir.  Ele estava acostumado a trabalhar dentro dos sistemas profissionais estabelecidos, e quando aquelas instituições questionaram sua integridade, ele procurou por aliados em outras pessoas com a mesma mentalidade.  Ele teve muito apoio de xamãs, abduzidos e celebridades..

Nosso lar se tornou um altar vivo de um bando esotérico de excêntricos que eram regularmente convidados ou não.  Uma manhã, quando fui pegar suco de laranja na cozinha, o ator Woody Harrelson estava lá, bebendo café com John à mesa.  Isto era normal.  Normal também era ser oferecida um cachimbo da paz por Sequoia, um xamã nativo americano que soprava tabaco em nossas faces joviais e nos desafiava a procurar por nossa maior experiência visionária.

Na idade de 13 anos, porém, eu já estava pronta para ir em frente.  John e minha mãe estavam indo para o sertão australiano por um ano, para falarem com os povos aborígenes sobre suas experiências com alienígenas.  Meu irmão e eu fomos convidados para ir junto: nossa educação formal seria satisfeita pelos pacotes de ensino à distância, enquanto nossa educação real naquela época seria uma combinação de didgeridoo e mitos de criação aborígene.  Mas algo dentro de mim desejava estabilidade e ordem.  Eu desejava ser absorvida na cultura antiséptica estadunidense onde lacrosse, danças na escola e blue jeans eram os fins por si mesmos; onde a realidade ordinária não era usurpada pelo fantástico.

Finalmente, meu irmão e eu optamos por ficar para trás.  Fomos morar com nosso pai e madrasta, sucumbimos à deliciosamente confortável existência dentro de uma cerca branca (literalmente, a cerca da casa era pintada de branco).  Tornamo-nos absorvidos pelas preocupações e políticas de adolescentes.  E os únicos discos voadores que encontramos eram os Frisbees.

Mais tarde, na faculdade da Universidade Brown, eu dei a mim mesma licença para novamente explorar os mágicos pensamentos de minha juventude, especificamente a ideia de que a realidade era meramente uma construção.  Como adulta, isto era um prospecto menos ameaçador.  Ao invés de induzir um pânico existencial, ela fornecia louvores de reputação.  Eu acabei escrevendo uma tese sobre a astrologia do século XVII e a formatação de fronteiras científicas.  De certa forma, ela era um poema lírico para John.  Eu queria compreender como a ‘ciência’ se tornou ‘ciência’.  Muitos dos astrólogos da época eram enxotados dos estabelecimentos científicos emergentes – alguns até mesmo eram colocados em julgamento pela instigação de desordem civil.  Não foi muito diferente da experiência do próprio John, quando seus métodos de psiquiatria foram colocados em questionamento pelo estabelecimento científico.

Antes da minha tese ser publicada, John foi atingido por um motorista bêbado e morreu, em Londres.  Era 2004.  Imediatamente após sua morte, minha mãe começou a receber telefonemas de videntes que alegavam ter se comunicado com John, ‘no outro lado’.  Antes de morrer, John tinha delineado um manuscrito sobre a força do amor, baseado nas histórias daqueles que tinham sido capazes de se comunicar com os amados após a morte.  Era uma experiência surreal para minha mãe ter passado por tal intenso pesar, enquanto ao mesmo tempo recebia telefonemas de pessoas que alegadamente tinham estado conversando com John após o acidente.

Após a morte de John, os alienígenas pareceram desaparecer das discussões de casa, quase que inteiramente.  Eu senti que o interesse do público tinha também diminuído.  Quando perguntei à minha mãe porque o fenômeno parecia ter morrido, ela disse que os alienígenas estavam colocando menos ênfase no mundo ocidental; que eles estavam mais interessados na China.  E deixamos o assunto por aí.

Mas se eu reflito no impacto da minha experiência de infância, eu acho que isto me deixou com uma abertura profunda e um ouvido generoso.  John me ensinou o poder de escutar;  realmente escutar as pessoas, e ter a coragem e elasticidade de questionar o conservadorismo estabelecido.  Eu ainda permaneço inteiramente agnóstica a respeito da existência de alienígenas.  Eu tenho um envolvimento com a preservação dos desconhecidos, e prospero na ambiguidade e complexidade do meu trabalho e das minhas relações.  O legado de John também me deixou com uma certa reverência por pessoas que não se encaixam e pelos desafios do status quo: pelo tipo de pessoa que caminha pela linha entre a ilusão e o discernimento.

John, também, permanece imortalizado na minha mente como alguém com grande coragem e empatia.  Eu o associo com o período da minha infância moldado com as grandes questões. Testemunhando àquela loucura que rodeava aqueles dez anos de exploração cosmológica me deixou com um alicerce abalado de que a realidade nunca foi completamente o que parecia ser, mas também me forneceu um profundo senso de respeito e curiosidade sobre o mundo.

Eu me sinto incrivelmente grata pela experiência.  Ser exposta, na infância, à uma obsessão ‘zeitgeistiana‘ com desprogramação, onde a cultura ocidental era percebida como um inimigo da consciência e da verdade, foi uma educação que me deixou com um sentimento residual de sempre estar fora da cultura predominante.  Há uma parte em mim que também olha para trás com nostalgia, por uma época onde a conversação primária estava sondando o cosmológico – quando não éramos tão ocupados com nossos notebooks, estressados com as finanças, ou segurando o nosso fôlego pela próxima temporada de Homeland; mas éramos preocupados, ao invés disso, com as meta-questões sobre o nosso papel no Universo e a existência de vida em outros lugares.

– Alexa Clay


Alexa Clay é uma escritora que ainda está confusa sobre a existência ou não dos alienígenas.  Ela mora em Berlim.

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