Em 2022, o prêmio Nobel de física foi concedido ao trabalho experimental que mostra que o mundo da mecânica quântica deve quebrar algumas de nossas intuições fundamentais sobre como o universo funciona.
Muitos olham para esses experimentos e concluem que eles desafiam a ‘localidade’ – a intuição de que objetos distantes precisam de um mediador físico para interagir. E, de fato, uma conexão misteriosa entre partículas distantes seria uma maneira de explicar esses resultados experimentais.
Outros, em vez disso, acham que os experimentos desafiam o ‘realismo’ – a intuição de que existe um estado de coisas objetivo subjacente à nossa experiência. Afinal, os experimentos só são difíceis de explicar se nossas medições forem pensadas como correspondentes a algo real. De qualquer forma, muitos físicos concordam com o que foi chamado de ‘a morte pela experiência’ do realismo local.
Mas e se essas duas intuições puderem ser salvas à custa de uma terceira? Um grupo crescente de especialistas acha que devemos abandonar a suposição de que ações presentes não podem afetar eventos passados. Chamada de ‘retrocausalidade’, essa opção pretende resgatar tanto a localidade quanto o realismo.
Causalidade
O que é causalidade afinal? Vamos começar com a frase que todos conhecem: correlação não é causalidade. Algumas correlações são causais, mas não todas. Qual é a diferença?
Considere dois exemplos. (1) Existe uma correlação entre a agulha do barômetro e o clima – é por isso que aprendemos sobre o clima olhando para o barômetro. Mas ninguém pensa que a agulha do barômetro está causando o clima. (2) Beber café forte está correlacionado com uma frequência cardíaca elevada. Aqui parece correto dizer que o primeiro está causando o segundo.
A diferença é que, se ‘agitarmos’ a agulha do barômetro, não mudaremos o clima. O clima e a agulha do barômetro são controlados por uma terceira coisa, a pressão atmosférica – é por isso que eles estão correlacionados. Quando nós mesmos controlamos a agulha, quebramos o vínculo com a pressão do ar e a correlação desaparece.
Mas se intervirmos para mudar o consumo de café de alguém, geralmente também mudaremos sua frequência cardíaca. As correlações causais são aquelas que ainda se mantêm quando mexemos em uma das variáveis.
Hoje em dia, a ciência de procurar essas correlações robustas é chamada de ‘descoberta causal’. É um grande nome para uma ideia simples: descobrir o que mais muda quando mexemos nas coisas ao nosso redor.
Na vida cotidiana, geralmente tomamos como certo que os efeitos de um movimento vão aparecer depois do próprio movimento. Essa é uma suposição tão natural que nem percebemos que a estamos fazendo.
Mas nada no método científico exige que isso aconteça, e é facilmente abandonado na ficção de fantasia. Da mesma forma, em algumas religiões, rezamos para que nossos entes queridos estejam entre os sobreviventes do naufrágio de ontem, digamos. Estamos imaginando que algo que fazemos agora pode afetar algo no passado. Isso é retrocausalidade.
Retrocausalidade quântica
A ameaça quântica à localidade (que objetos distantes precisam de um mediador físico para interagir) deriva de um argumento do físico da Irlanda do Norte, John Bell, na década de 1960. Bell considerou experimentos nos quais dois físicos hipotéticos, Alice e Bob, recebem cada um partículas de uma fonte comum. Cada um escolhe uma das várias configurações de medição e registra o resultado da medição. Repetido muitas vezes, o experimento gera uma lista de resultados.
Bell percebeu que a mecânica quântica prevê que haverá estranhas correlações (agora confirmadas) nesses dados. Eles pareciam sugerir que a escolha do cenário de Alice tem uma sutil influência ‘não local’ no resultado de Bob e vice-versa – mesmo que Alice e Bob possam estar separados por anos-luz. Diz-se que o argumento de Bell representa uma ameaça à teoria da relatividade especial de Albert Einstein, que é uma parte essencial da física moderna.
Mas isso porque Bell presumiu que as partículas quânticas não sabem quais medições encontrarão no futuro. Os modelos retrocausais propõem que as escolhas de medição de Alice e Bob afetam as partículas de volta à fonte. Isso pode explicar as estranhas correlações, sem quebrar a relatividade especial.
Em um trabalho recente, propusemos um mecanismo simples para a estranha correlação – envolve um fenômeno estatístico familiar chamado viés de Berkson (veja nosso resumo popular aqui).
Existe agora um próspero grupo de estudiosos que trabalham com retrocausalidade quântica. Mas ainda é invisível para alguns especialistas no campo mais amplo. Confunde-se com uma visão diferente chamada ‘superdeterminismo’.
Superdeterminismo
O superdeterminismo concorda com a retrocausalidade de que as escolhas de medição e as propriedades subjacentes das partículas estão de alguma forma correlacionadas.
Mas o superdeterminismo o trata como a correlação entre o clima e a agulha do barômetro. Ele presume que existe uma terceira coisa misteriosa – um ‘superdeterminador’ – que controla e correlaciona nossas escolhas e as partículas, da mesma forma que a pressão atmosférica controla o clima e o barômetro.
Portanto, o superdeterminismo nega que as escolhas de medição sejam coisas que somos livres para mexer à vontade, elas são predeterminadas. Movimentos livres quebrariam a correlação, assim como no caso do barômetro. Os críticos objetam que o superdeterminismo enfraquece as suposições básicas necessárias para realizar experimentos científicos. Eles também dizem que significa negar o livre arbítrio, porque algo está controlando tanto as escolhas de medição quanto as partículas.
Essas objeções não se aplicam à retrocausalidade. Os retrocausalistas fazem a descoberta causal científica da maneira usual, livre e sinuosa. Dizemos que são as pessoas que descartam a retrocausalidade que estão esquecendo o método científico, se se recusam a seguir a evidência aonde ela leva.
Evidência
Qual é a evidência para a retrocausalidade? Os críticos pedem evidências experimentais, mas essa é a parte fácil: os experimentos relevantes acabaram de ganhar um Prêmio Nobel. A parte complicada é mostrar que a retrocausalidade dá a melhor explicação para esses resultados.
Mencionamos o potencial para remover a ameaça à relatividade especial de Einstein. Essa é uma grande dica, em nossa opinião, e é surpreendente que tenha demorado tanto para explorá-la. A confusão com o superdeterminismo parece ser a principal culpada.
Além disso, nós e outros argumentamos que a retrocausalidade dá mais sentido ao fato de que o micromundo das partículas não se importa com a diferença entre passado e futuro.
Não queremos dizer que tudo é fácil. A maior preocupação com a retrocausação é a possibilidade de enviar sinais ao passado, abrindo a porta para os paradoxos da viagem no tempo. Mas, para criar um paradoxo, o efeito no passado deve ser medido. Se a nossa jovem avó não consegue ler o nosso conselho para evitar casar com o avô, o que significa que não existiríamos, não há paradoxo. E no caso da mecânica quântica, é sabido que nunca podemos medir tudo de uma vez.
Ainda assim, há trabalho a fazer na concepção de modelos retrocausais concretos que imponham essa restrição de que você não pode medir tudo de uma vez. Então vamos fechar com uma conclusão cautelosa. Nesta fase, é a retrocausalidade que tem o vento em suas velas, então rume para o maior prêmio de todos: salvar a localidade e o realismo da ‘morte por experimento’.
–Huw Price, Emérito Fellow, Trinity College, University of Cambridge e Ken Wharton, Professor de Física e Astronomia, San José State University
(Fonte)
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