Por que algumas pessoas relatam ter visto suas vidas passando diante de seus olhos durante uma experiência de quase morte? Steve Taylor – professor sênior de psicologia na Leeds Beckett University – investiga esse fenômeno desconcertante.
Aos 16 anos, quando Tony Kofi era um aprendiz de construtor que morava em Nottingham, na Inglaterra, ele caiu do terceiro andar de um prédio. O tempo pareceu desacelerar enormemente, e ele viu uma série complexa de imagens passando diante de seus olhos.
Como ele descreveu:
“Em minha mente, vi muitas, muitas coisas: filhos que eu ainda não tinha tido, amigos que eu nunca tinha visto, mas agora são meus amigos. O que realmente ficou na minha cabeça foi tocar um instrumento.”
Então Tony caiu de cabeça e perdeu a consciência.
Quando acordou no hospital, ele se sentiu uma pessoa diferente e não queria voltar à sua vida anterior. Nas semanas seguintes, as imagens continuaram voltando à sua mente. Ele sentiu que estava “sendo mostrado algo” e que as imagens representavam seu futuro.
Mais tarde, Tony viu a foto de um saxofone e reconheceu-o como o instrumento que ele se viu tocando. Ele usou o dinheiro da indenização do acidente para comprar um. Agora, Tony Kofi é um dos músicos de jazz de maior sucesso do Reino Unido, tendo ganhado o prêmio BBC Jazz duas vezes, em 2005 e 2008.
Embora a crença de Tony de que viu seu futuro seja incomum, não é incomum que as pessoas relatem ter testemunhado várias cenas de seu passado durante situações de emergência em frações de segundo. Afinal, é daí que vem a frase “minha vida passou diante dos meus olhos”.
Mas o que explica esse fenômeno? Os psicólogos propuseram uma série de explicações, mas parece que a chave para entender a experiência de Tony está em uma interpretação diferente do próprio tempo.
Quando a vida passa diante de nossos olhos
A experiência de vida que passa diante dos olhos de alguém é relatada há mais de um século. Em 1892, um geólogo suíço chamado Albert Heim caiu de um precipício enquanto escalava uma montanha. Em seu relato da queda, ele escreveu que era “como se estivesse em um palco distante, toda a minha vida passada [estava] se desenrolando em inúmeras cenas”.
Mais recentemente, em julho de 2005, uma jovem chamada Gill Hicks estava sentada perto de uma das bombas que explodiram no metrô de Londres. Nos minutos após o acidente, ela pairou à beira da morte onde, como ela descreve:
“Minha vida estava passando diante dos meus olhos, piscando através de cada cena, cada momento feliz e triste, tudo que eu já fiz, experimentei.”
Em alguns casos, as pessoas não veem uma revisão de toda a sua vida, mas uma série de experiências e eventos passados que têm um significado especial para elas.
Explicando revisões de vida
Talvez surpreendentemente, dado o quão comum isto seja, a “experiência de revisão de vida”‘ tem sido muito pouco estudada. Algumas teorias foram apresentadas, mas são compreensivelmente provisórias e um tanto vagas.
Por exemplo, um grupo de pesquisadores israelenses sugeriu em 2017 que os eventos de nossa vida podem existir como um continuum em nossas mentes e podem vir à tona em condições extremas de estresse psicológico e fisiológico.
Outra teoria é que, quando estamos perto da morte, nossas memórias de repente se “descarregam”. Isso pode estar relacionado à “desinibição cortical” – uma quebra dos processos regulatórios normais do cérebro – em situações altamente estressantes ou perigosas, causando uma “cascata” de impressões mentais.
Mas a revisão de vida é geralmente relatada como uma experiência serena e ordenada, completamente diferente do tipo de cascata caótica de experiências associadas à desinibição cortical. E nenhuma dessas teorias explica como é possível que uma quantidade tão vasta de informações – em muitos casos, todos os eventos da vida de uma pessoa – se manifestem em um período de alguns segundos, e muitas vezes bem menos.
Pensando no tempo “espacial”
Uma explicação alternativa é pensar no tempo em um sentido “espacial”. Nossa visão de tempo de bom senso é como uma flecha que se move do passado ao presente em direção ao futuro, na qual só temos acesso direto ao presente. Mas a física moderna lançou dúvidas sobre essa visão linear simples do tempo.
Na verdade, desde a teoria da relatividade de Einstein, alguns físicos adotaram uma visão “espacial” do tempo. Eles argumentam que vivemos em um “universo em bloco” estático no qual o tempo se espalha em uma espécie de panorama onde o passado, o presente e o futuro coexistem simultaneamente.
O físico moderno Carlo Rovelli – autor do best-seller “The Order of Time” – também defende a visão de que o tempo linear não existe como um fato universal. Essa ideia reflete a visão do filósofo Immanuel Kant, que argumentou que o tempo não é um fenômeno objetivamente real, mas uma construção da mente humana.
Isso poderia explicar porque algumas pessoas são capazes de revisar os eventos de suas vidas inteiras em um instante. Muitas pesquisas anteriores – incluindo a minha própria – sugeriram que nossa percepção normal do tempo é simplesmente um produto de nosso estado normal de consciência.
Em muitos estados alterados de consciência, o tempo diminui tão drasticamente que os segundos parecem se transformar em minutos. Esta é uma característica comum em situações de emergência, bem como em estados de meditação profunda, experiências com drogas psicodélicas e quando os atletas estão “na zona ativa”.
Os limites da compreensão
Mas e quanto as aparentes visões de Tony Kofi sobre seu futuro? Ele realmente vislumbrou cenas de sua vida futura? Ele se via tocando saxofone porque de alguma forma seu futuro como músico já estava estabelecido?
Obviamente, existem algumas interpretações mundanas da experiência de Tony. Talvez, por exemplo, ele tenha se tornado saxofonista simplesmente porque se viu tocando em sua visão. Mas não acho impossível que Tony tenha vislumbrado eventos futuros.
Se o tempo realmente existe em um sentido espacial – e se é verdade que o tempo é uma construção da mente humana – então talvez de alguma forma os eventos futuros já possam estar presentes, assim como os eventos passados ainda estão presentes.
É certo que isso é muito difícil de entender. Mas por que tudo deveria fazer sentido para nós? Como sugeri em um livro recente, deve haver alguns aspectos da realidade que estão além de nossa compreensão. Afinal, somos apenas animais, com uma consciência limitada da realidade. E talvez mais do que qualquer outro fenômeno, isso seja especialmente verdadeiro no que diz respeito ao tempo.
(Fonte)
Steve Taylor, professor sênior de psicologia, Leeds Beckett University.
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